Terremoto no Equador: experiência de vida de um trabalhador humanitário

Juan Camilo Pinzón

O terremoto do dia 16 de abril de 2016 foi uma surpresa muito grande não só para os equatorianos, mas também para todos que trabalhamos em organizações humanitárias. Para muitos de nós que atuamos na América Latina, os últimos seis anos tinham sido de relativa calma. A grande maioria vinha trabalhando em respostas pequenas, e preparando nossos escritórios e nossos países para futuras crises humanitárias.

Todos lembrávamos da experiência do terremoto do Haiti como um grande aprendizado, como um ano muito duro para todos os humanitários, no qual as lições aprendidas haviam sido incorporadas por nossas organizações. É possível dizer que muitos estavam “enferrujados”, à espera da mãe natureza, que tínhamos certeza iria se manifestar em algum momento.

Para Save the Children, a resposta humanitária é parte essencial do trabalho; é nosso mandato. Na América Latina, temos trabalhado arduamente para preparar os escritórios nacionais e locais, e foi a partir do 16 de abril que entendi o compromisso e o profissionalismo dos meus colegas, e pude ver com meus próprios olhos o alcance e o impacto que a nossa organização pode ter nas pessoas em situação vulnerável, especialmente as crianças.

Naquele dia, um sábado à noite, estava conversando com amigos sem imaginar que em poucas horas estaríamos planejando nossa viagem para o Equador. Como acontece com a maioria de meus colegas humanitários, metade dos aplicativos do meu celular são alertas de terremotos, furacões, erupções vulcânicas e outras emergências. Um desses aplicativos me deu a notícia às sete da noite: um terremoto de 7,8 graus acabara de acontecer perto da costa do Equador.

Soube imediatamente que era uma situação grave; um terremoto dessa magnitude tão perto da costa certamente causaria muitos estragos. No início, tínhamos poucas informações e não havia muitos dados sobre o sismo; era preciso esperar. Dois dias depois, pudemos avaliar a magnitude da situação. As cidades de Manta, Portoviejo e Pedernales estavam destruídas. Mais ao norte, na província de Esmeraldas, muitas comunidades pequenas estavam destruídas e ansiosas, já que a ajuda ainda não havia chegado. Nossa engrenagem de emergências começou a rodar aceleradamente. Felizmente, a nossa equipe do escritório do Equador estava sã e salva, e, junto com a equipe do Peru, partiu em direção à província de Esmeraldas para fazer as avaliações iniciais. Ao chegar a Esmeraldas, perceberam a gravidade da situação: Muisne e Chamanga estavam parcialmente destruídas, mais da metade das moradias não existia mais, e as famílias estavam vivendo em abrigos improvisados.

Depois de receber esses dados iniciais, mobilizamos nossa estrutura de emergências. Começamos a montar nossa equipe, a verificar inventários, a solicitar fundos internos para responder à situação e a deslocar colegas de diferentes países da região para apoiar a equipe de resposta do escritório do Equador.

Um primeiro grupo de cinco pessoas chegou ao Equador na primeira semana do desastre, e esse número foi aumentando com o passar dos dias. Como em qualquer situação de emergência, o início foi de puro caos. As informações eram contraditórias, nossa equipe tinha lacunas e a coordenação com o governo era lenta. Foram ativadas as mesas setoriais (os clusters), e dividimos nossa equipe de acordo com cada especialidade para ir às reuniões diárias, extensas e difíceis. Aos poucos fomos organizando a equipe e fazendo avaliações no terreno para determinar as necessidades mais importantes, e sobretudo começar a atender a população que mais precisava.

Depois da avaliação inicial em Esmeraldas, decidimos nos mobilizar também na província de Manabí, onde os estragos foram ainda maiores. Cidades inteiras tinham sido destruídas, e as necessidades eram imensas.  Naquele momento – aproximadamente dez dias depois do terremoto – já contávamos com uma equipe estruturando a resposta em Esmeraldas; nosso segundo passo seria estender a ação até Manabí.

O caos continuava, as horas de trabalho eram incontáveis, e toda nossa equipe estava concentrada em responder à situação. Entre conseguir fundos, armar estratégias de resposta, fazer visitas de campo e comparecer às reuniões setoriais diárias, a equipe de Save the Children crescia e se fortalecia. Muitas réplicas do tremor colocavam a população afetada em perigo e deixavam a nossa equipe mais tensa do que já estava.

Finalmente nossa estratégia de resposta estava pronta, e a equipe preparada para começar a atuar. O trabalho começou nos setores de água e saneamento, em campanhas de saúde e higiene, na distribuição de kits de higiene e na reconstrução de latrinas. Outra parte foi trabalhar com o setor de abrigos, iniciando um modelo piloto de vales para a reconstrução de abrigos temporários, complementado pela entrega de kits com itens de casa e cozinha. Por último, nossa equipe de proteção e educação passou a oferecer apoio psicossocial às crianças e famílias afetadas.

Como a proteção da infância e a educação são os pilares da atuação de Save the Children, a prioridade foi dada a esses setores. Foram estabelecidos espaços seguros para a infância (Espaços Infantis Amigáveis) em muitas das comunidades atingidas. Oferecemos capacitação a mães, pais, professores e coordenadores desses espaços para proteger meninos e meninas da violência. Kits escolares foram distribuídos a professores e escolas, a fim de facilitar o retorno às aulas o quanto antes.

Atividades com crianças que ficaram desabrigadas pelo terremoto de abril de 2016, que deixou mais de 650 mortos no Equador (Foto: Save The Children)

A coordenação com os diversos atores nos níveis local e central foi muito importante. Save the Children trabalhou estreitamente com as instituições encarregadas de cada setor de resposta. Isso incluiu os ministérios de Habitação, Educação e Segurança, as Secretarias de Gestão de Risco e os Centros de Operações de Emergência. A participação nas mesas setoriais era quase diária. As equipes participaram dos clusters da ONU e trabalharam com ONGs locais e internacionais para oferecer uma resposta integrada e coordenada.

Na cidade de Portoviejo, Save the Children liderou o cluster de proteção em emergências, em apoio a outras ONGs e agências da ONU. A aceitação local foi maravilhosa; a população recebeu muito bem as equipes da organização, que recebeu um reconhecimento pelo trabalho que desempenhou em Manabí e Esmeraldas. A Secretaria de Gestão de Riscos, sob auspício das Nações Unidas, realizou um ato solene na Universidade Técnica de Manabí para entregar placas comemorativas em comemoração ao Dia da Ajuda Humanitária.

Metade dos aplicativos do meu celular é de alertas de terremotos, furacões, erupções vulcânicas e outras emergências

O terremoto tirou a vida de mais de 650 pessoas, afetou mais de 500 escolas e deixou mais de 28 mil pessoas vivendo em abrigos. Quase seis meses depois, Save the Children continuava trabalhando arduamente no Equador para responder às necessidades, que ainda eram muito grandes. A equipe de resposta de Save the Children passou a ser formada em quase 100% por talentos locais – engenheiros, arquitetos, educadores, psicólogos, motoristas e muitos outros. Todos demonstraram entrega, dedicação e profissionalismo admiráveis.

Save the Children continuou trabalhando por alguns meses até a conclusão da fase de emergência e o início da fase de recuperação. Tenho certeza de que, assim como no terremoto do Haiti, este tremor nos deixou muitas lições, e também orgulho por ser parte da organização.

* Oficial de Operações e Ajuda Humanitária para América Latina e Caribe da organização Save the Children. Artigo submetido em setembro de 2016.