Em seu sentido mais básico, a ideia humanitária, de solidariedade para com outros seres humanos, independentemente de suas origens e crenças, é milenar. O que hoje conhecemos como ajuda humanitária se inspira nessa ideia. Já o campo do direito internacional humanitário (DIH) — que estabelece regras e limites para o comportamento das partes em conflito – começou a ser consolidado em convenções internacionais no final do século XIX e ganhou o escopo atual depois da Segunda Guerra Mundial. Como todo resultado da ação e do pensamento humano, os princípios ligados à ajuda humanitária e ao DIH têm sua interpretação debatida e estão em evolução constante. Este glossário pretende apresentar algumas definições e informações básicas, incluindo termos médicos frequentemente encontrados em textos sobre as atividades de Médicos Sem Fronteiras (MSF).

Explicações mais detalhadas sobre o direito internacional humanitário e as sucessivas jurisprudências podem ser encontradas, em inglês, no Guia prático do direito humanitário, publicação on-line elaborada com base no livro de mesmo nome de Françoise Bouchet-Saulnier, conselheira jurídica de MSF. Artigos que aprofundam a discussão sobre os princípios e as práticas da ajuda humanitária, e sobre políticas de saúde, podem ser encontrados no site da Unidade de Análise e Advocacy de MSF.

 

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Desastre

O termo é usado quando o funcionamento de uma sociedade ou comunidade é desestabilizado repentinamente, causando perdas humanas, materiais e econômicas que excedem a capacidade da sociedade ou comunidade de lidar com elas e ameaçando a sobrevivência da população. Um desastre pode ter causas naturais ou provocadas pela ação humana. Para que o direito internacional humanitário se aplique a uma situação de desastre, ele deve ocorrer durante um conflito ou ser provocado por um conflito. “Desastre humanitário” e “crise humanitária” são termos não jurídicos.

Deslocados internos

Pessoas que foram forçadas a deixar suas casas por causa de conflito, perseguição, violência, desastres naturais ou outras, mas não cruzam as fronteiras e se deslocam dentro do país. Embora o mandato original do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) não ampare os deslocados internos, a agência da ONU vem prestando assistência a essas populações. Os Princípios Norteadores para o Deslocamento Interno, de 1988, listam as disposições do direito internacional dos direitos humanos e do direito internacional humanitário relevantes para o tratamento da questão dos deslocados (a íntegra dos Princípios Norteadores pode ser encontrada aqui.

Desnutrição

A desnutrição é causada pela falta de proteínas e outros nutrientes essenciais para o organismo. Seus sintomas podem incluir perda de peso, falta de força e energia e a incapacidade de realizar tarefas rotineiras. Em crianças, sinais de desnutrição podem incluir a incapacidade de concentração, o aumento da irritabilidade e o crescimento atrofiado. Em casos de desnutrição aguda severa, podem ocorrer inchaços do estômago, da face e das pernas, além de mudança na pigmentação da pele. Crianças desnutridas são menos resistentes a doenças comuns da infância. A desnutrição pode ser causada pela falta de acesso a alimentos e por doenças infecciosas, como sarampo, diarreia, pneumonia e malária. O período mais crítico para a ocorrência da desnutrição é entre os 6 meses de vida, quando o leite materno começa a ser complementado com outros alimentos, e os 2 anos de idade. Crianças com menos de 5 anos, idosos, mulheres grávidas e pessoas com doenças crônicas também são considerados vulneráveis. Desnutrição não é sinônimo de fome.

Direito de asilo

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) estabelece que “toda pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de se beneficiar de asilo em outros países”. A Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados contém provisões para garantir e proteger o direito de asilo. Os Estados não têm a obrigação de conceder asilo a todos que o solicitem, mas têm a obrigação de examinar todos os pedidos e de garantir certos direitos dos solicitantes, como o de não serem processados pela entrada ou permanência em seu território. Mesmo que a solicitação de asilo seja negada, um Estado não pode devolver um refugiado ou solicitante de asilo para um território em que sua vida esteja ameaçada. Um “terceiro país seguro” deve ser encontrado para que ele deixe o país em que pediu asilo.

Direito de iniciativa humanitária

O direito internacional humanitário confere ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e a outras organizações humanitárias imparciais o direito de oferecer seus serviços em situações de conflito.

Direito internacional dos direitos humanos

É formado por um conjunto de convenções e tratados cujo marco contemporâneo internacional é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. A Declaração Universal baseia-se na ideia de que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, enunciada em seu primeiro artigo. A Declaração, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os dois últimos aprovados pela Assembleia Geral da ONU em 1966, formam a Carta Internacional dos Direitos Humanos (International Bill of Rights). As convenções e os tratados internacionais versam sobre direitos de indivíduos e coletividades. Direitos de crianças, mulheres, idosos e de outros grupos específicos são objeto de legislações mais detalhadas. Estados de emergência ou sítio previstos em legislações nacionais podem restringir direitos humanos e liberdades fundamentais, em nome da defesa da ordem pública e da segurança nacional, em situações que não são qualificadas de conflito armado e, portanto, nas quais as garantias previstas no direito internacional humanitário não são aplicáveis. Mas há direitos humanos que não são derrogáveis em nenhuma circunstância – são os chamados direitos inalienáveis, entre eles o direito à vida, à liberdade de pensamento, de consciência e religiosa, e a proibição da escravidão e da tortura.

Direito internacional humanitário

Também conhecido pelas expressões “leis da guerra” ou “direito da guerra”, é formado pelas convenções internacionais que governam a conduta na guerra com o objetivo de evitar sofrimento e destruição desnecessários. O direito internacional humanitário é constituído pelas Convenções de Haia e de Genebra e seus protocolos e por outras normas que, embora não estejam escritas em convenções internacionais, são consideradas parte do direito consuetudinário, isto é, foram consagradas por práticas adotadas ao longo do tempo e incorporadas em jurisprudência. O direito internacional humanitário dispõe sobre o uso de métodos e meios de guerra, sobre o tratamento de feridos e prisioneiros e sobre a proteção a civis em conflitos. Por milênios, muito antes dos primeiros tratados internacionais sobre a conduta na guerra, no século XIX, vários povos discutiram e estabeleceram normas para as guerras, embora frequentemente não se considerasse que elas se aplicassem a povos de língua e cultura diferentes. O direito internacional humanitário se aplica apenas a situações de conflito.

Distinção

É um dos princípios do direito internacional humanitário. Refere-se à obrigação das partes em conflito de distinguir entre civis e combatentes e entre objetos civis e alvos militares.

Doenças não transmissíveis

Também conhecidas como doenças crônicas e que não se transmitem de pessoa a pessoa. São doenças de longa duração e de progressão lenta. Os quatro tipos principais são: doenças cardiovasculares, cânceres, doenças respiratórias crônicas e diabetes.

Doenças negligenciadas

São doenças transmissíveis que afetam mais de 1 bilhão de pessoas em regiões tropicais e subtropicais; atingem principalmente populações vulneráveis, e seu combate é dificultado pela falta de avanços no diagnóstico e no tratamento. A Organização Mundial da Saúde (OMS) lista 19 doenças negligenciadas: Chagas, leishmaniose, dengue, chikungunya, bouba, dracunculíase, equinococose, hanseníase, raiva, trematodíases de origem alimentar, helmintíases, úlcera de Buruli, filaríase linfática, tripanossomíase humana africana (doença do sono), esquistossomose, oncocercose, teníase/cisticercose, tracoma e micetoma.